Na última sexta-feira de fevereiro (26) o Brasil completou um ano desde o primeiro caso de Covid-19 registrado no país. Com mais de 250 mil mortos e 10 milhões de infectados, pode se afirmar que o país vive o ápice da pandemia. Nesse contexto, a vacina aparece como principal forma de contornar essa situação, entretanto o processo para adquirir as vacinas têm se mostrado um grande problema para a gestão de crise brasileira.
Coronavac, Pfizer, Covaxin e o Governo Brasileiro
Em agosto de 2020, o governo brasileiro estava em negociações com a Pfizer – empresa farmacêutica multinacional com sede em Nova Iorque e uma das produtoras da vacina contra o Coronavírus – para a compra de um lote de 70 milhões de doses da vacina, com entregas previstas para Dezembro do mesmo ano. Entretanto, as condições impostas pela Pfizer para vender o imunizante não agradaram ao governo. O presidente Jair Bolsonaro não quer que a União se responsabilize por possíveis efeitos colaterais que a vacina pode causar. Trata-se de exigência do laboratório para evitar ser alvo de eventuais ações judiciais, mas o governo considerou a cláusula “abusiva”. A Europa e os Estados Unidos já firmaram compromissos nesses termos com a farmacêutica para viabilizar a compra do imunizante.
Com o objetivo de influenciar o governo federal a aceitar as condições do laboratório, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal aprovaram o PL 534/2021 do Senador e presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM/MG). O projeto em questão, dispõe sobre a responsabilidade civil relativa a eventos adversos pós-vacinação contra a Covid 19. Em outras palavras, o projeto de lei permite que os estados, os municípios e a União possam se responsabilizar pelos riscos referentes à vacinação.
Neste meio tempo, a CoronaVac – produzida pelo Instituto Butantan – teve seus primeiros lotes em circulação e até o dia 26 de fevereiro apenas 3% da população havia sido vacinada. Desse modo, nem mesmo os grupos prioritários haviam sido vacinados e as doses presentes no Brasil já estão acabando, o que agrava ainda mais a necessidade de adquirir e produzir novos lotes. Todavia, ainda não se possui a matéria prima necessária para essa produção, deixando apenas a possibilidade de compra.
Tendo isso em vista, o Brasil fechou um acordo para a compra de 20 milhões de doses da Covaxin, produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotec. Porém, essa vacina ainda não passou pelas três fases de teste necessárias e também não tem a sua autorização de circulação no Brasil e nem teve o pedido de autorização enviado para a Anvisa. O acordo prevê o pagamento de R$1.614 bilhão para a compra do imunizante. Na semana do fechamento do acordo, o imunizante da Pfizer recebeu registro definitivo da Anvisa.
Outro acordo fechado nesse sentido foi o para receber 10,6 milhões de doses da Vacina AstraZeneca/Oxford pela Covax Facility – aliança da Organização Mundial da Saúde (OMS) para ajudar os países em desenvolvimento a ter acesso a vacinas contra a covid-19. A previsão para chegada das doses é ainda para o primeiro semestre de 2021.
Orçamento para as vacinas
Para suprir as demandas orçamentárias da vacinação, o Governo Federal lançou ao longo de 2020 diversas Medidas Provisórias abrindo créditos extraordinários. A primeira delas foi a MP 994/2020, que abre crédito extraordinário no valor de R$1.994.960.005,00 para encomenda tecnológica associada à aquisição de 100,4 milhões de doses de vacina pela AstraZeneca/Fiocruz.
De forma adicional, foi editada a MP 1003/2020 que autorizou o poder executivo a aderir ao Instrumento de Acesso Global a Vacinas Covid-19 – Covax Facility, mencionada anteriormente. A medida foi sancionada, nesta terça-feira (02), mas com vetos em 5 dos 11 artigos da MP. Entre eles estão o artigo que dava um prazo de 5 dias para a análise da Anvisa para importação de vacinas e o dispositivo que determinava que os estados poderiam imunizar a sua população.
Complementarmente, a MP 1004/2020, cuja vigência encontra-se prorrogada, abriu crédito de R$2.513.700.000,00 para financiar os custos de adesão ao consórcio. Por fim, o governo editou a MP 1015/2020, que autoriza a compra de vacinas, insumos e demais gastos para campanha nacional de vacinação, disponibilizando um valor de R$20 bilhões.
Ao todo foram liberados em créditos extraordinários um total de R$24,5 bilhões para a compra, desenvolvimento ou produção de vacinas contra a covid-19. Desses, foram utilizados até o momento, correspondentes a 11% do total de crédito extraordinário. Contabilizando os R$505 milhões pagos pelo governo para o Instituto Butantan pela aquisição de 8,7 milhões de doses da CoronaVac em Fevereiro.
Aquisição de vacinas pela iniciativa privada
O PL 534/2021, o mesmo que liberava a responsabilização de estados, municípios e da União pelos riscos referentes à vacinação, teve outro ponto bastante importante. No caso, se trata da aquisição de vacinas pela iniciativa privada. O projeto de lei prevê que as empresas devem doar todas as doses compradas para o SUS enquanto estiver em curso a vacinação dos grupos prioritários. Após a conclusão, a empresa poderá ficar com metade das doses que adquirir, aplicando-as gratuitamente, e doar a outra metade para o SUS.
Existem diversos debates em relação à autorização da aquisição pela iniciativa privada. Entre os argumentos daqueles que criticam a medida está a desigualdade, privilegiando aqueles que têm mais recursos. Outro ponto é a necessidade de destinação da vacina para o SUS como forma de diminuir a pressão sobre o sistema de saúde. Em complemento, a iniciativa criaria uma competição entre empresas e o Ministério da Saúde.
Entre aqueles que defendem a compra pela iniciativa privada, existe o argumento de que o projeto possibilitará e facilitará a aquisição das vacinas da Pfizer e Janssen. Além disso, diante do cenário de escassez, esses acordos garantiriam novas doses aos brasileiros. Afirmam também que não teria prejuízo para o sistema de saúde desde que parte da quantidade de doses seja doada.
A AstraZeneca e a Pfizer já fizeram anúncios de que não estão dispostas a negociar doses de vacinas com empresas privadas. As duas empresas afirmam que o imunizante deve ter amplo acesso, sendo que esses têm de ser oferecidos para a população geral. A Janssen, que já está em conversa com o Ministério da Saúde, afirmou que no momento descarta a possibilidade de vender para empresas privadas.
O Futuro das vacinações
Com apenas 3,11% da população após um mês e meio da liberação de algumas vacinas no Brasil, o cenário futuro é bastante preocupante. Apesar de possuir orçamento reservado desde o ano passado, obstáculos para a aquisição delas tem se mostrado o principal problema no momento. Conforme mostrado, das 30 milhões de doses que já tiveram acordo fechado e devem chegar neste 1º semestre, ⅔ delas ainda precisam passar por um processo burocrático de autorização para poderem ser aplicadas na população. Além do que, essas 30 milhões de doses não são suficientes nem para 15% da população total do Brasil. Logo, o acordo com a Pfizer se mostra cada vez mais necessário, tendo em vista as 100 milhões de doses mencionadas por Elizabeth Carvalhaes, presidente executiva da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa e representante do Laboratório no Brasil. Junto disso, nesta segunda-feira (01), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL), se pronunciou em seu twitter e na rede Record anunciado que o governo irá entregar 140 milhões de doses para os meses de Março, Abril e Maio. Os pronunciamentos se deram após reunião com o presidente Bolsonaro em que também ficou acertado o valor do auxílio emergencial até Junho, R$250,00.
Superado o problema da aquisição, Gonzalo Vecina Neto, fundador e primeiro presidente da Anvisa, afirmou que o país consegue vacinar até 60 milhões de pessoas por mês, conforme já foi visto em ocasiões anteriores. Todavia, resta saber se a atual gestão será capaz de realizar esse feito. Entretanto, apesar de todos os problemas aqui demonstrados, o Brasil está entre as 10 nações em número absoluto de pessoas vacinadas, o que demonstra que a situação pelo resto do mundo também é preocupante nesse sentido, assim como, demonstra a capacidade do SUS de contornar a falta de planejamento e fazer o que pode com as doses que possui.
Por João Victor Mota e Júlia Carla Gomes
Referências
http://revista.algomais.com/noticias/confira-os-10-paises-que-mais-vacinaram-no-mundo
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