A crise econômica gerada pela COVID-19 foi uma das maiores enfrentadas por todo o mundo. A última crise experimentada mundialmente foi a de 2008, mas que não gerou no Brasil recessão tal qual a de 2020. Várias medidas foram tomadas para tentar evitar a eclosão de uma crise ainda maior, porém mesmo após a solicitação de crédito adicional[1] e a diminuição do débito compulsório, obrigação dos bancos em depositar determinado valor dos depósitos diários no Banco Central, não gerou-se os resultados esperados.
A Federação tem dois tipos de gastos: as despesas correntes, que incluem o pagamento de serviços, manutenção da máquina pública e quitação dos juros das dívidas; e as despesas de capital, que são basicamente os investimentos em infraestrutura ou para construir algo com benefícios duradouros para a população. Há duas formas de arrecadação por meio de linhas de crédito, que são designadas para o pagamento de despesas de capital, já que serão pagas no futuro por quem irá usufruir dos benefícios e a tributação.
A receita de despesas correntes deve prover sempre dos meios de arrecadação de tributos (a forma mais básica) ou ativos. A Lei de Responsabilidade Fiscal de 2001 exige que a prestação de contas seja realizada anualmente, havendo punições cabíveis para os gestores que endividaram o País para pagarem despesas correntes. Seguindo isso, para manter o equilíbrio, está expressa na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 167, a conhecida “Regra de Ouro”. Esta tem como princípio que as dívidas só podem ser contraídas apenas para despesas correntes, garantindo, assim, que o país não se endivide mais para pagar gastos que poderiam ser quitados de outras formas menos onerosas.
Existe a possibilidade de não cumprimento dessa determinação. Tal medida ocorre quando há a necessidade de criar ou aumentar despesas, tendo o Executivo a necessidade de enviar uma Proposta de Crédito Adicional para o Congresso, e esta ser aprovada por maioria absoluta dos parlamentares. Além disso, este processo tem por característica sua justiça intergeracional, ou seja, em que gerações futuras não tenham que suportar ônus de seus antepassados. Concluindo, a Regra define que não se pode contrair dívidas para pagamento de despesas correntes.
Na atual situação, as despesas correntes, que incluem quase a totalidade dos gastos com saúde pública do momento, aumentaram de forma expressiva e continuam crescendo. Ademais, a arrecadação diminuiu notadamente. É estimado que as despesas relacionadas com o combate da doença sejam de 584,3 bilhões de reais e a queda na arrecadação seja de 20 bilhões de reais, somado ao atual déficit do equilíbrio da “Regra de Ouro”. Tendo isso em vista, a Proposta de Emenda Constitucional n° 10/2020 permitiu que esse princípio fosse quebrado enquanto durar o período de crise ou até 31 de dezembro de 2020.
Isso implica que o dinheiro utilizado para quitar os dispêndios da crise –gastos correntes -, será proveniente da dívida de linhas de crédito como o Tesouro Nacional. Esse cenário pode causar aumento de tributos após o fim da situação de calamidade pública, isso porque o equilíbrio financeiro deverá ser restabelecido. Outra provável consequência será a diminuição de despesas de capital, que significam menos investimentos em áreas importantes como Tecnologia, Infraestrutura, Educação e o mais grave deles, a Saúde.
Entretanto, a doutrina diz que a regra não precisa ser absoluta. Segundo Baleeiro (2010, p. 540),em casos de guerras ou crises é necessário tomar medidas drásticas, já que historicamente vários países enfrentaram grandes dificuldades econômicas durante conflitos bélicos e crises sanitárias. E na Constituição de 88, há uma brecha para esse tipo de crise – os créditos extraordinários.
Mas o que vemos com frequência são vários pedidos de créditos adicionais por parte da União para o Congresso, e nos últimos governos foi-se discutida a flexibilização da Regra de Ouro. A Regra de Ouro é um mecanismo eficaz para evitar que sejam contraídas dívidas públicas, que podem gerar crises econômicas profundas. Desequilibrar os gastos públicos pode ser um grande problema para as futuras gestões. Existem alguns instrumentos para restabelecer o equilíbrio, como alterar taxas de juros, mas que deverão ser analisados, dado o grande risco de significativa diminuição nas taxas de investimento e ainda, aumento da tributação ou corte de gastos. Os presidentes e suas equipes econômicas podem e devem utilizar de todas as medidas cabíveis para reerguer a economia quando necessário, mas sempre com as projeções futuras para evitar perdas maiores.
Diante disso tudo, é evidente a importância da regra de ouro para manter o equilíbrio das contas públicas, mesmo os governantes tendo problemas para cumpri-la e clamando por flexibilização com frequência e/ou até mesmo driblando a regra com pedaladas fiscais, atrasando repasses para bancos para camuflar as contas públicas. Sem a regra de ouro e da maneira que os governantes brasileiros tendem ao inchaço da máquina pública, não saberíamos o patamar que nossa dívida, já alta, poderia alcançar.
Escrito por Rebeca Carvalho e Nícolas Faganelly
[1] Crédito Adicional: “”São créditos adicionais as autorizações de despesas não computadas ou insuficientemente dotadas na Lei de Orçamento “. Dependendo da sua finalidade, classificam-se em: suplementares, especiais e extraordinárias. Os suplementares destinam-se ao reforço de uma dotação orçamentária já existente, ao passo que os especiais visam atender a uma necessidade não contemplada no orçamento. Já créditos extraordinários pressupõem uma situação de urgência ou imprevisão, tal como guerra, comoção interna ou calamidade pública. Os créditos suplementares especiais dependem de autorização legislativa, ao passo que os extraordinários são abertos por decreto do Executivo, que deles dará ciência imediata ao Legislativo. Os créditos adicionais, uma vez aprovados, incorporam-se ao orçamento do exercício.”” – Ministério da Economia via Plataforma +BRASIL
Referência Bibliográfica
Tesouro Nacional. Informe Dívida. Regra de Ouro. Coordenação-Geral de Planejamento Estratégico da Dívida Pública. Maio de 2018.
Eduardo Piovesan. “Câmara aprova PEC do ‘orçamento de guerra’ em 2° turno; texto será promulgado nessa quinta.”, 6 de maio de 2020. Câmara dos Deputados; Notícias.
BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução as Ciências de Finanças, 2010.
Depois de ler o texto, alguns conceitos ficaram claros pra mim. Ótimo conteúdo!
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