Após um incêndio na principal subestação de energia do Amapá no dia 3 de novembro, ocorreu o corte de energia para 90% da população do estado, aproximadamente 765 mil pessoas . Após o quinto de dia de completo apagão, o estado começou a retomar a energia de forma racionada, todavia, até o momento (22 de novembro), o abastecimento de energia ainda não é pleno na região. Desde então, o Amapá se encontra em estado de calamidade pública, devido a gravidade do incidente, determinado por decreto do Governo Federal. Este cenário reacendeu o debate acerca das privatizações e dos regimes de concessão do setor energético no Brasil.
Esse debate nacional aterrissa no Distrito Federal, onde o GDF articula a privatização de uma parte da CEB (Companhia Energética de Brasília). A companhia é uma empresa de economia mista na qual o maior acionista é o Governo do Distrito Federal com aproximadamente 80% das ações. Nota-se que o processo de privatização se trata de uma subsidiária da CEB, sendo a empresa que irá a leilão a CEB-D, ou CEB distribuição.
A CEB
Criada em 16 de dezembro de 1968, a Companhia Energética de Brasília (CEB) é uma holding, termo inglês para classificar uma empresa que controla outras empresas, grupo este que, como mencionado, é de economia mista, tendo 80,2% de suas ações sobre o poder do Governo do Distrito Federal. Suas subsidiárias são: CEB Geração, CEB Distribuição, CEB Participações, CEB Lajeado, CEBGÁS, BSB Energética, Corumbá Concessões, Energética Corumbá III, FACEB e ASCEB. Cada uma dessas são empresas diferentes e possuem suas receitas e gastos próprios. Dentre as quais, a única que será privatizada é a subsidiária CEB Distribuição.
Em 2015, foram elaboradas uma séries de critérios necessários para a prorrogação da concessão da distribuição de energia da capital, que deveriam seguir uma boa gestão econômica financeira, racionalidade operacional e econômica e modicidade tarifária. Essas condições traziam indicadores e metas de sustentabilidade financeira e operacional que deveriam ser alcançadas no período de 5 anos (2016 à 2020) e seriam fiscalizados com os dados contábeis, financeiros e operacionais da empresa. Por outro lado, o descumprimento delas por 2 anos consecutivos ou caso não as alcance ao final do período estipulado é cabível a revogação do Contrato de Concessão. No caso do cumprimento, o contrato seria prorrogado até 2045.
Por isso, por conta do seu alto endividamento, dos prejuízos acumulados, das barreiras financeiras para efetuar investimentos necessários para a expansão da rede e do desenvolvimento dos serviços foi-se aberto o processo de venda da companhia. Além disso, também tem-se o grande risco de ser aberto um processo de caducidade da concessão, o que prejudicaria o GDF em mais de um bilhão de reais.
Para iniciar esse processo foram contratados dois bancos para fazer o valuation da empresa, classificar o quanto vale a empresa, seu patrimônio, suas dívidas, investimentos e o necessário para que a empresa possa ser eficiente e prestadora de serviços de qualidade, todos os bancos avaliaram a empresa em mais de R$2,4 bilhões, entretanto foi necessário debitar desse valor a dívida da empresa, que chegou a R$900milhões, fazendo assim, a empresa a chegar ao valor mínimo de R$1,4 bilhões.
A privatização
Em decisão publicada no Diário Oficial do Distrito Federal do dia 28 de Setembro, o conselho administrativo da CEB anunciou a convocação de Assembleia Geral Extraordinária para decidir sobre a venda de 100% das ações da distribuidora de Energia. A reação da parte contrária a privatização foi entrar com uma ação popular para que a mesma não aconteça alegando que não se observou as formalidades previstas na legislação, configurando assim, a primeira disputa entre os acionistas e seus opositores. O grupo tem como seu principal representante o diretor do Sindicato dos Urbanitários no DF (STIU-DF), João Carlos Dias. Entretanto, a decisão do desembargador Romeu Gonzaga Neiva, presidente do TJDFT, foi indeferir a tutela pleiteada pela categoria, mantendo assim a assembleia para o dia 13 de outubro.
Na assembleia, além de aprovar a distribuição, o conselho administrativo e os acionistas também aprovaram a criação de uma nova empresa, que deve incorporar todo o serviço de iluminação pública no DF. Ademais, decidiram vender um terreno da CEB Distribuição, no Noroeste, para a Agência de Desenvolvimento do DF (Terracap), no valor de R$ 318 milhões.
Dentro do governo, Ibanês Rocha (MDB), Governador do Distrito Federal, tem um papel fundamental na defesa e na promoção desta privatização. Dias antes da Assembleia, em evento para a assinatura de decreto para instalação de energia elétrica em áreas da capital em processo de regularização, ele afirmou que a privatização deve tornar a prestação de serviço mais eficaz e de melhor qualidade ao consumidor.
A segunda disputa diz respeito ao papel da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) na discussão. Por um lado, o diretor do sindicato afirma que a discussão da privatização deve passar pela Câmara por se tratar de uma empresa de distribuição. Por outro lado, o presidente da CEB afirma que não, pois a CEB Distribuição não foi criada por meio de lei distrital e sim por uma reunião de acionistas, por meio de uma ata de assembleia, logo, não sendo necessária a aprovação pelo poder legislação. Como resultado da disputa, o Tribunal de Contas do DF afirmou que a privatização não precisa do aval do legislativo distrital.
Todavia, isso não impediu os deputados de se manifestarem quanto ao assunto. Nesse contexto, os principais articuladores da questão são os dois representantes do Partido dos Trabalhadores, Chico Vigilante (PT) e Arlete Sampaio (PT), com destaque para a deputada que apresentou requerimentos sobre assunto. Entre eles tem-se o REQ 1925/2020, o qual requer informações sobre a assembleia que autorizou a privatização.
Outra manifestação dos representantes legislativos veio da bancada do Distrito Federal no Congresso, que enviou uma carta ao governador se mostrando contrários à privatização. A carta é assinada pelos senadores Izalci Lucas (PSDB), José Antônio Reguffe (Podemos) e Leila Barros (PSB) e os os deputados Israel Batista (PV), Erika Kokay (PT) e Paula Belmonte (Cidadania). No documento, os parlamentares afirmam que os interesses de grupos privados não são compatíveis com o interesse público no caso da distribuição de energia. A carta pode ser lida na íntegra em matéria do G1.
Dentre os parlamentares, a deputada federal Erika Kokay se mostra como uma figura importante na discussão pois atualmente é coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa do Sistema Elétrico Brasileiro. Em ato contrário à privatização, a deputada disse que o caso do Amapá é símbolo do fracasso das privatizações do setor, as quais geraram aumento de tarifa em todo o Brasil e a piora da qualidade dos serviços, além de dizer que o governador Ibaneis Rocha não tem estudos que justifiquem a privatização da CEB e que tem medo de fazer o debate público com a sociedade sobre o tema.
Próximos Passos
Apesar das disputas e das manifestações dos parlamentares, o leilão já tem data marcada para o dia 04 de Dezembro de 2020. Inicialmente esse evento estava marcado para o final do mês de Novembro em decisão publicada no DODF do dia 06 de Novembro em conjunto com as demais datas, as quais você pode observar abaixo:
fonte: Diário Oficial do Distrito Federal
Segundo matéria veiculada no Correio Braziliense, apesar dos embates políticos e jurídicos, seis empresas já estão interessadas na aquisição da CEB-D, entre elas: CPFL, Neonergia, Equatorial Energisa, ENEL e EDP, sendo algumas controladas por capital estrangeiro. O valor mínimo fixado pela CEB, em conjunto com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento), é de 1,424 Bilhão.
Por Alan Braga, João Victor Mota e Nícolas Fagnelly
Referências:
https://g1.globo.com/ap/amapa/ao-vivo/ao-vivo-ultimas-informacoes-sobre-o-apagao-no-amapa.ghtml
Gostei muito dos dados apresentados! Não sabia que já tinha empresas interessadas na empreitada… Excelente texto!
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