As eleições presidenciais nos Estados Unidos são realizadas de forma indireta. Isso quer dizer que, no país, o voto do indivíduo não é creditado diretamente para o candidato que ele escolheu, mas sim à um delegado (indivíduos indicados pelos 2 principais partidos no dia da eleição e que não possuem cargos políticos). No total, há 538 delegados e cada um ocupa um assento no colégio eleitoral representando os eleitores da sua unidade da federação. Logo, estes são os responsáveis pela escolha do presidente.
Com exceção dos estados do Maine e de Nebraska, o sistema de contagem de votos é absoluto e não proporcional, ou seja, o candidato que obtiver maioria dos votos no estado leva todos os votos do colégio eleitoral estadual. Um exemplo é o da Flórida, em 2016, quando Hillary Clinton obteve 47,8% dos votos e Donald Trump 49%. Apesar de ter conseguido quase a metade dos votos, Hillary não obteve maioria e Trump levou os votos dos 29 delegados no estado.
Para entender o voto no Maine e no Nebraska é preciso compreender o sistema de distritos.
O país tem 435 distritos divididos proporcionalmente entre o tamanho da população. E cada um deles dá direito a um voto no colégio eleitoral. Estados que tem poucos habitantes possuem menos distritos, como o Alaska, com 1 distrito e estados com muitos habitantes possuem mais distritos, como a Califórnia, com 53. Em seguida, ao número de distritos se soma o número de senadores, que são 2 por estado. Nessa combinação, a Califórnia tem 53 votos equivalentes aos distritos mais 2 equivalentes aos senadores, obtendo assim 55 votos no colégio eleitoral.
No Maine e em Nebraska, quem vencer no voto popular leva 2 delegados e o restante depende do resultado em cada distrito que tenha representação no Congresso.
Para vencer, um candidato deve obter maioria no colégio eleitoral, portanto, um mínimo de 270 delegados.
O atual sistema é aclamado por resistir desde 1787 e defendido por dar maior voz aos estados pequenos, no entanto, tem sofrido críticas por ser considerado arcaico e permitir que nem sempre o candidato que obteve mais votos populares seja eleito. Algo que já ocorreu em 1824, 1876, 1888, 2000 e 2016.
Eleições 2020
Em 2020, a eleição presidencial estadunidense foi dirigida por diversos fatores que já nortearam eleições anteriores e que ganharam mais visibilidade esse ano com a pandemia de Covid-19 como, por exemplo, a saúde.
A falta de um sistema de saúde universal faz com que grande parte da população dependa de planos de saúde com preços exorbitantes e proibitivos, visto que não cobrem diversos tratamentos. Atualmente, o governo oferece apenas dois programas de auxílio à saúde. São eles:
- Medicare: programa que abrange idosos acima de 65 anos ou pessoas com algum tipo de deficiência;
- Medicaid: Programa desenvolvido para a população de baixa renda sem condições de arcar com um plano de saúde.
Pessoas que não se enquadram nessas especificações (aproximadamente 28 milhões de habitantes) não possuem nenhum tipo de assistência. Esse tema é um ponto central de discussão entre eleitores e políticos, dividindo opiniões entre democratas e republicanos. Outro ponto polêmico é o Obamacare, um pacote de subsídios estatais para ajudar indivíduos sem assistência a contratarem seguros saúde, visando ser uma solução mais sustentável e não excluir dos planos de saúde tratamentos de doenças pré existentes.
Parte dos republicanos, principalmente Donald Trump, não estão satisfeitos com o Obamacare e defendem o fim do programa, apesar de ainda não terem apresentado propostas alternativas. Já Biden propõe expandir o programa para que cerca de 97% dos cidadãos tenha acesso à seguro saúde. O Comitê para um Orçamento Federal Responsável, no entanto, estima que o custo total do plano apresentado pelo democrata seja de 2,25 trilhões em dez anos.
Alguns estados contornaram o problema de saúde buscando outras alternativas, como a Carolina do Norte, que desenvolveu um programa de parceria entre o estado e convênios médicos, incluindo assistência a moradias, nutricional e de saúde mental para tratar da população de forma preventiva, para que, dessa maneira, as pessoas não precisem utilizar o sistema de saúde. O programa está em fase piloto, embora especialistas já o considerem promissor.
O problema da saúde se intensificou com a pandemia, pois muitas pessoas perderam seus empregos e não podem mais arcar com as assinaturas dos planos de saúde e as contas médicas. Além disso, a covid-19 pode deixar sequelas que também demandam atendimento.
A resposta dos governantes a pandemia se tornou um tema central em muitos estados. Trump e Biden possuem uma visão bem diferente em relação a Covid-19. Trump tomou diversas decisões que contribuíram para o aumento na disseminação do vírus e aumento das mortes.
Na Flórida, que possui um governador alinhado com as ideias do Presidente, houve uma abertura precoce no comércio. Isso contribuiu para um exponencial aumento nos casos da doença e, como consequência, aumento nas mortes. Tal situação exigiu que as medidas de retomada das atividades no estado fossem revistas. Isso pesou negativamente para Trump. E a Flórida é um local determinante, considerado um estado pêndulo, que ora vota em republicanos, ora em democratas.
A crise da pandemia acentuou também problemas de habitação, um símbolo de desigualdade nos Estados Unidos. A situação teve uma piora significativa em decorrência da Covid-19, mas já era algo presente principalmente no estado da Califórnia, a maior economia do país, com muitas empresas multinacionais. O estado atraiu pessoas com alta renda, que precisavam de casas para morar, contribuindo para uma intensa especulação imobiliária que excluiu as populações mais pobres de suas casas. Atualmente, com 150 mil pessoas sem moradia no estado, muitas pessoas vivem na rua ou em seus carros.
O problema de moradia não se limita somente ao preço das casas. Há também a falta de terrenos e a questão política ligada à legislação que limita a construção de residências.
A oferta de casas populares virou tema de discussão nessas eleições. Trump se opõe à construção desse tipo de moradia, chegando a propor a redução do número de construções das mesmas, pois segundo ele, atrapalham a vida das famílias de classe média aumentando a criminalidade, violência e problemas sociais nesses locais.
Biden, no entanto, promete um grande plano de liberação de 600 milhões de dólares para a construção de casas populares de forma mais sustentável e mais próximas dos locais de trabalho, para promover menos poluição nesses deslocamentos.
A visão dos candidatos sobre esses problemas dividem a opinião do eleitorado no país. O tema mais polêmico, no entanto, é a questão do porte de armas de fogo. Democratas já fizeram esforços para ampliar o controle de armas, principalmente após os massacres ocorridos no país nas últimas décadas.
Os Republicanos costumam vetar essas mudanças, pois consideram a defesa do direito à posse de armas como um dos principais pilares políticos. O Arkansas é o estado símbolo da discussão, com uma das regras mais flexíveis nessa área. Possui uma pauta pró armamento sem mecanismos para amenizar ou relativizar o controle, claramente demonstrado em sua constituição estadual. Isso torna o estado o mais permissivo e com maiores índices de porte, acidente e de morte por armas de fogo.
Mesmo sendo um assunto antigo, a questão do racismo ganhou papel central nas eleições com uma série de protestos contra a segregação racial iniciada no estado de Minesota com o assassinato de George Floyd por um policial branco.
Trump se opôs aos protestos e tentou se defender afirmando que ele tinha sido o presidente que mais beneficiou a comunidade negra desde Lincoln. Também tentou assustar a população dizendo que caso Biden fosse eleito o país seria inundado por uma série de protestos violentos. Biden defendeu as manifestações afirmando que é preciso combater o racismo sistêmico nas corporações americanas, junto com Kamala Harris, sua vice que é negra. Porém, um desafio era fazer os jovens negros votarem para mudar a situação, visto que o voto não é obrigatorio.
A apuração dos votos começou na terça-feira, 3 de novembro. Após 4 dias de apuração, Joe Biden foi considerado eleito o 46º Presidente dos Estados Unidos ao obter a vitória em seu estado natal, na Pensilvânia, com 20 votos no colégio eleitoral e alcançando 273 delegados (três a mais que o necessário para vencer a disputa presidencial). Sua vice, Kamala Harris fez história ao se tornar a primeira pessoa negra de ascendência indiana a assumir a Vice Presidência do país.
Até o momento, o resultado foi confirmado pela ABC news, Associated Press, CNN e pela NBC News. A apuração ainda está pendente nos estados de Arizona, Nevada, Geórgia e Carolina do Norte. Com exceção do último, Biden é cotado como vitorioso nos demais.
Veja abaixo o resultado até agora no colégio eleitoral:
Consequências do resultado para o Brasil
O foco da política externa do governo Bolsonaro foi o alinhamento à administração de Donald Trump. E a reação negativa do presidente brasileiro após a ameaça de Biden (então candidato) de aplicar sanções ao Brasil se não houver um maior combate ao desmatamento na Amazônia não favorece um cenário de relação amigável entre os dois líderes. Há convergência, no entanto, entre Trump e Biden no interesse de manter a influência chinesa afastada da América Latina. E o Brasil se torna campo disputa de grande importância, principalmente na batalha pela venda do 5G.
Com Trump, o governo Bolsonaro iniciou em outubro, as negociações para um futuro acordo de livre comércio entre Brasil e Estados Unidos. Foi acordado um pacote de medidas de desburocratização entre os dois países. Além disso, Bolsonaro investiu esforços numa possível entrada do Brasil na OCDE com o apoio de Trump. Com a vitória de Biden, o avanço desses dois acordos adquire um rumo incerto.
Além disso, questões relacionadas aos direitos humanos e ao meio ambiente são importantes para a base eleitoral de Biden e devem certamente ser acrescentadas no debate entre os dois países. Pressões nesse sentido por parte dos EUA, no entanto, não devem ser bem recebidas por Bolsonaro, que já acusou o democrata de querer interferir na política brasileira.
O Brasil, até o momento, faz parte junto com a Rússia e a Coreia do Norte, do grupo de únicos países que ainda não mandaram saudações à Biden pela vitória. Ambos aguardam o resultado oficial, principalmente após Trump contestar a legitimidade das eleições. Com o enfraquecimento do movimento contestatório do pleito, no entanto, especialistas indicam que utilizando a diplomacia o governo brasiliero não tenha dificuldades em estabelecer uma relação estável com o novo governo dos Estados Unidos.
Escrito por Débora Carvalho e Luís Victor da Silva Costa
Fontes:
https://www.gazetadopovo.com.br/economia/brasil-eua-pacote-acordo-de-livre-comercio/
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-54810637
https://noticias.r7.com/internacional/como-funciona-o-colegio-eleitoral-na-eleicao-dos-eua-02112020
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-54633007
https://g1.globo.com/mundo/eleicoes-nos-eua/2020/
Podcast Café da Manhã: EUA: 50 estados, 50 problemas
http://especiais.g1.globo.com/mundo/eleicoes-nos-eua/2020/eleicoes-americanas-apuracao/
O texto está muito bom! Bem suscinto e esclarecedor. É bem didático tanto para quem acompanhou de perto das eleições como eu, quanto para outras pessoas que queiram apenas saber mais sobre. Parabéns!
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